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O Yoga e as emoções

A preocupação com a saúde física, envolvendo o controle da alimentação, exercícios e rotina adequada para o bom funcionamento de todos os sistemas do corpo é uma busca constante nos dias de hoje. Mas, ultimamente, temos percebido um aumento nos desequilíbrios mentais, como a ansiedade e a depressão e a nova preocupação das pessoas tem sido em como cuidar da saúde mental: podemos alcançar uma mente forte, flexível e paciente? Quais exercícios, rotinas ou técnicas são auxiliares nesse cuidado?

Para David Frawley, em Uma Visão Ayurvédica da Mente, (1999), a mente, como parte do corpo humano, que por sua vez, faz parte da natureza, precisa de nutrição e de uma forma adequada de eliminar o que não foi necessário, como por exemplo, as substâncias que acumuladas podem se transformar em toxinas.

A exemplo do nosso corpo físico, que quando ingere alimentos de qualidade, transforma-os em benefícios para o seu funcionamento e bem-estar, mas que também ao contrário, se ingere alimento inadequado, pode gerar desequilíbrios no sistema digestivo, causando maus hábitos e até mesmo o desenvolvimento de doenças, como podemos analisar a alimentação da nossa mente? O que serve de alimento para ela, como se dá a sua nutrição?

Para Frawley, em um primeiro nível, a nutrição acontece com a absorção do alimento real ingerido (através das refeições). Esse alimento vai contribuir na formação das células e dos tecidos (nervosos). O produto da digestão do alimento traz bem-estar, leveza ou pode trazer lentidão, preguiça.

Em um segundo nível, a nutrição se dá por meio das impressões, que colorem os nossos pensamentos de acordo com as “tintas” manifestadas através das experiências que afetam nossos sentimentos e são absorvidas por meio dos órgãos dos sentidos.

Em um terceiro nível, a nutrição acontece por meios dos três Gunas (qualidades) da mente que está abrigada na mente mais profunda. Essa nutrição está intimamente ligada ao nosso coração, retirando as impressões dos nossos relacionamentos.


Os Gunas da Prakriti (as qualidades da mente-matéria)

As forças fundamentais da natureza possuem três qualidades básicas, os Gunas:

Rajas

Tamas

Sattva

A palavra Guna, em sânscrito, significa “o que ata”.

Usando essa tradução literal, podemos interpretar que quando uma qualidade é mal compreendida ela se torna motivo de aprisionamento ao mundo exterior. Por exemplo, uma mente rajásica, está sempre procurando atividade, não consegue relaxar ou se concentrar em um objeto por muito tempo e acaba por causar insatisfação e ansiedade. Rajas – é a energia, é ativo, ardente, nos induz à ação. Pode trazer desassossego, agitação.

Uma mente tamásica está inclinada a estados de depressão, de apatia e acomodação. Tamas – é a substância, é fixo, imóvel, pesado, cria a inércia, o embotamento.

Somente quando encontramos o equilíbrio em Sattva, conseguimos ter uma clara visão sobre a realidade. Sattva – a inteligência, a partilha, o equilíbrio. É a qualidade da compreensão.

Quando essas qualidades são associadas a estados inferiores de consciência e temos a dominância de Tamas ou Rajas, isso pode acabar desencadeando impulsos para ações antiéticas. Por exemplo, incitando comportamentos abusivos e violações de códigos de conduta: como roubar, cometer vandalismo, trazer tendências suicidas, violências sexuais, terrorismo, destruição do meio ambiente. Outros exemplos: ambição por possuir tudo o que o dinheiro pode comprar, desejo sexual em dominar, desejo de poder. Esses estados inferiores de consciência podem se identificar com as frequências mais baixas (ideias, emoções, intenções) contidas no banco de pensamento universal (campo energético do pensamento/ ideosfera coletiva, conceito publicado por Yadav, S.K., 2019). Conceito que se assemelha ao dos registros akásicos, os arquivos da alma, que na teosofia e na antroposofia são um compêndio de todos os eventos, pensamentos, palavras, emoções e intenções humanas que já ocorreram no passado, no presente ou no futuro. Os teósofos acreditam que eles são codificados em um plano de existência não-físico conhecido como plano etérico.

Esse campo energético contém todos os pensamentos e vibrações de toda a humanidade, dos vivos e dos que já passaram pela existência, através dos tempos, nossa hereditariedade. Esses conteúdos continuam vibrando em uma rede, e são atraídos por frequências similares. Podemos chamar esse campo de karma coletivo. Por exemplo, uma pessoa que tem o vício de beber (alcoolismo), após sua partida do mundo material, continua vibrando a sede pelo vício e pode acabar influenciando alguém que em algum momento, com uma baixa vibração, comece a beber muito sem ter esse hábito.


As impressões mentais – os samskaras

As oscilações mentais e as impressões que alimentam o nosso subconsciente, acontecem de uma forma ininterrupta, atualizando-o sem cessar. Essas experiências ditam como será o caráter específico de cada indivíduo, condicionando a forma como ele atua no mundo e nos relacionamentos. Elas podem vir de memórias dessa vida ou mesmo de memórias hereditárias, manifestando a situação kármica de todos nós. Podem ser transmitidas de geração para geração, por meio dos costumes de um povo, de sua linguagem e cultura.

Os órgãos dos sentidos recebem estímulos do meio externo, pelo que vemos, ouvimos, cheiramos, degustamos ou tocamos. Os sentidos absorvem todas essas impressões, que vão se acumulando na mente. A partir dessa absorção, a mente, através da inteligência, começa a digerir tudo o que foi consumido. Então, a inteligência transforma as impressões em experiências e faz com que os acontecimentos se tornem lembranças. Um exemplo de estímulo a que estamos sendo expostos diariamente, de maneira próxima, são os meios de comunicação em massa, a internet através do celular, nossa extensão artificial de interação. Esses grandes influenciadores sensoriais trazem impressões que são enviadas diretamente para o cérebro. Como também o fazem o trânsito, as interações sociais no ambiente de trabalho, locais de consumo, a poluição sonora, visual e do ambiente, as toxinas do ar que respiramos. Tudo isso contribui para que no final do dia você perceba como foi afetado, na hora de tentar pegar no sono ou na qualidade dos seus sonhos.


Se esses conteúdos (samskaras) não forem organizados ou descartados, resíduos vão se acumulando, influenciando a nossa mente, e frequentemente, afloram do nosso subconsciente. Os samskaras nos fazem ter comportamentos iguais perante diversos acontecimentos, e acabam por transformarem-se em condicionamentos (vasanas). Os condicionamentos criam uma atitude reativa perante os desafios que enfrentamos. Quando reagimos negativamente ou positivamente aos acontecimentos, através dessas impressões mentais, geramos uma ação ou karma. Essas reações ou pensamentos pairam na ideosfera coletiva (no banco de pensamentos universal), atingindo a mesma frequência à sua volta e assim temos o ciclo: impressões (samskaras) são geradas na nossa mente profunda e a partir dos condicionamentos dessas impressões (vasanas), reagimos sempre da mesma forma e criamos karmas. (pessoais ou coletivos). Por exemplo, em um comportamento destrutivo, uma mulher que tem um marido com comportamento abusivo, tenderá a sempre se relacionar com esse mesmo perfil de homem, sem ter a consciência que está fazendo isso.

Os samskaras permanecem no banco de pensamento universal mesmo após a nossa morte. O que reencarna não é a alma e sim o conjunto de samskaras de cada um. Dessa forma é importante que no final da vida, todo o trabalho de limpeza dos condicionamentos negativos resulte em um conjunto mais positivo, que se assemelhe ao que você deseja trazer para a próxima vida. Por exemplo, uma pessoa que tem o hábito de meditar irá buscar nascer em uma família com pais que tenham uma experiência mais desenvolvida com a espiritualidade, ou num corpo que já tenha a inclinação ou facilidade para essa prática.



Vasanas - Latências (estado potencial) do subconsciente

Nas escrituras do yoga encontramos um termo que explica como acontece esse ciclo constante dos pensamentos: os vasanas. Vasanas são as lembranças deixadas pela repetição dos samskaras. Essas lembranças fazem uma espécie de “cicatriz” na mente, condicionando-a a uma mesma direção, como uma marca de repetição ou “sulco”. Podemos compreender que da mesma forma que uma lembrança boa deixa uma marca de paz e luz, uma lembrança negativa, como um ataque ou uma agressão, traz perturbação e sentimentos de medo, raiva ou frustração. Um bom exemplo disso é a forma como essas impressões reverberam no futuro, como quando em uma discussão exaltada com alguém, sentimos ódio e frustração ao longo dos próximos dias ou quando fazemos um passeio, caminhando pelo campo e recebendo energia do sol, essa experiência traz paz e expansão. Esses sentimentos perduram e voltam a cada memória dessas experiências. A todo momento na nossa mente, essa constante corrente de experiências, traz uma voz interior que julga cada sensação de acordo com seus antecedentes pessoais. Na psicologia ocidental, essas experiências são chamadas de latências ou estados potenciais do subconsciente.



Pratipaksha Bhavana – como mudar sua mente.

Para um praticante de yoga, é mais fácil perceber de forma palpável como acontece a manifestação dos samskaras na prática física das posturas (ásanas), nos pranayamas (técnicas de respiração) e nos kriyas (técnicas de limpeza). Por vezes, encontramos limitações no nosso corpo e tendemos a reagir de forma condicionada. Se trazemos a atenção para qual postura temos mais dificuldade, podemos nos perguntar: Onde sinto mais desconforto? Como eu reajo a esse desconforto percebido? A reação acontece sempre da mesma forma? Uma reclamação interna faz os músculos se contraírem, o corpo não se acomoda, não relaxa, não alonga. Os padrões repetitivos de pensamento seguem sempre reagindo e reagindo. E assim também ocorre perante os desafios da vida. Os samskaras se manifestam através das emoções no corpo físico. (Citação do Prof. Sandro Bosco)

Utilizando a técnica de Pratipaksha Bhavana, técnica essa contida nos ensinamentos dos Yoga Sutras, de Patanjali (estudioso que decodificou o yoga como o conhecemos hoje, baseado nas tradições mais antigas):

“Quando há obstrução na forma de um pensamento contrário, deve-se evocar o pensamento oposto” Yoga Sutra 2.33, Sadhana Pada.

Em primeiro lugar, ao identificarmos pensamentos ou sentimentos que sabemos que não nos fazem bem, nomeando-os. Depois nomeamos o pensamento ou a emoção oposta para substituí-los por






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Podemos criar uma frase que neutralize a ação desse sentimento como por exemplo, “eu me livro da insegurança e trago confiança.” Praticamos até nos sentirmos mais distante desse padrão e dessa forma vamos trilhando o caminho do autoconhecimento que leva à evolução pessoal. Podemos tentar identificar samskaras negativos e positivos assim que eles aparecem.

Para T.K. V. Desikachar em O coração do Yoga (1995), o yoga nos traz técnicas de unificação dos estados de consciência, e diferentemente da psicanálise, acredita que o subconsciente pode ser dominado pela ascese (austeridade e autocontrole do corpo e do espírito). Podemos criar um novo e positivo samskara, em vez de reforçar o antigo, que tem limitações, trazendo um ponto de virada em nossos conceitos arraigados.

Quando a mente e os sentidos exteriores serenam (pratyahara), podem aflorar nossos pensamentos interiores, então os hábitos e lembranças profundamente arraigados podem vir à tona. Se aprendermos a observá-los e compreendê-los, podemos nos liberar deles, queimando os samskaras negativos. A prática de yoganidrá no relaxamento é um momento em que os sentidos serenam e muitas vezes esses padrões podem ser eliminados, até mesmo inconscientemente.

Quando planejamos uma sequência de ásanas e depois a executamos, tornamos a mente mais clara, desfazendo a limitação por nossos hábitos. Podemos também perceber a forma reativa com que lidamos com as contrariedades. Dessa forma, podemos ver mais claramente que talvez um caminho não seja tão certo e temos a escolha de não seguir por ele.

Na mente, uma compreensão errônea dos fatos pode ocorrer por falha ou má interpretação do que é visto, obscurecida pelos samskaras ruins. O objetivo do yoga é reconhecer e controlar as causas de compreensão errônea, com o discernimento. Podemos reexaminar nosso estilo de vida, buscando melhorá-lo, protegidos por uma mente capaz de discriminar.

Do Yoga Sutra, capítulo 2.2 do Sadhana Padah, “Então é certo que as práticas removerão os obstáculos que impedem a percepção clara”.

Os ásanas marcam com nitidez a transcendência da condição humana. O ásana, funcionando como um Ekagrata (concentração da mente em um só ponto), põe fim às oscilações (vrttis) e dispersões dos estados de consciência. O pranayama é o controle dos movimentos respiratórios. Quando todas as funções orgânicas ficam suspensas, a respiração efetua a concentração da consciência em um único objeto. Essas técnicas psicofísicas conseguem dissociar o subconsciente de suas latências. (samskaras e vasanas).

Para Rohit Mehta em Yoga – a Arte da Integração (1975), quando a mente está no estado de tamas (inércia), ela atua no condicionamento, a estabilidade torna-se estagnação. Assim, até que este condicionamento seja dissolvido, é preciso criar uma atividade nova dentro dele para que possa acontecer o despertar desse estado de embotamento e lerdeza, passando assim de uma mente entorpecida para uma mente ativa (rajas). Então de rajas, com a atividade fazendo um movimento positivo, pode-se alcançar sattva, o equilíbrio.

Precisamos ir além dos condicionamentos para que as atividades dos gunas (qualidades da mente) se torne suave e tranquila. A cessação dos conteúdos pode apenas acontecer quando o processo de associação do hábito for rompido.



Pratyahara (a abstração dos sentidos, o portal para a meditação).

Pratyahara, a concentração que nos abre as portas para as três técnicas de libertação da mente, de acordo com o yoga de Patanjali. Pratyahara atua fazendo um jejum das impressões para que as não digeridas e tóxicas sejam liberadas. Treinamos Pratyahara quando, no relaxamento promovido pelo Yoganidrá, nos desligamos e desidentificamos dos sentidos, acessando a consciência profunda, onde não precisamos estar atentos o tempo todo ao que estamos sentindo e racionalizando sobre isso.


As três técnicas de libertação da mente.



Dhárana (a concentração meditativa em um único ponto)

Em Dhárana permanecemos em contato com a visão correta da realidade. Quando vemos as coisas através da nossa lente pessoal, os samskaras podem projetar um colorido específico, viciado aos acontecimentos, obstruindo a visão de sua cor natural, fresca e nova. Quando o centro do samskara é dissolvido podemos enxergar com a transparência da consciência. Se não dermos abrigo, o problema será dissolvido no mesmo instante em que surgiu.


Dhyana (o foco contínuo)

A experiência de comunhão de Dhyana (meditação) nos habilita a enfrentar o problema sem dar-lhe abrigo. E mantendo esse ritmo, podemos nos libertar da recorrência das antigas tendências. Encarar os problemas e dissolvê-los no mesmo instante em que surgem e viver uma vida livre de pressões e tensões.


Samadhi

O Samadhi é a unidade com a consciência profunda, é o estado mais elevado o qual se consegue através do silêncio prolongado e profundo, dhyana. O samadhi é o “tesouro do yoga” é o fruto colhido pela prática das demais técnicas contidas nos sutras de Patanjali.

Do Yoga Sutra, capítulo 1.51, Samadhi Padah “A mente que atinge um estado em que não há impressões de nenhum tipo, está clara aberta e transparente.” Está livre.













Conclusão:

Cada vez que conseguimos através das práticas, nos separar um pouco dessa identificação errônea da mente pelos samkaras negativos, vamos criando e os substituindo por bons samskaras e alimentando o estoque positivo de condicionamentos. Esse exercício constante, também vai nos ajudando a desapegarmos de situações que nos trazem desconforto, enfrentando sentimentos negativos e dando menos importância a eles. Nos liberamos dos antigos padrões de comportamento com uma mente mais flexível e serena. Da mesma forma, isso vai refletir em um corpo físico mais saudável, mais forte, apto a enfrentar doenças e desequilíbrios, podendo ter um envelhecimento mais tranquilo e ativo, vivendo com mais qualidade e suavidade.

Se ao final de nossa existência tivermos um estoque de samskaras mais positivo do que negativo, temos chance de seguir na evolução pessoal, contribuindo com o banco de pensamentos universal, para a evolução de todos à nossa volta.


Referências

Frawley, Dr. David (1999). Terapias ayurvédicas para a mente. Uma visão ayurvédica da mente, Páginas De 136 – Até 143. São Paulo Ed. Pensamento

Desikachar, T.K.V. (1995). Ações deixam rastros. O coração do yoga. Páginas De 148 – 169. São Paulo Ed. Mantra

Eliade, Mircea (1972). Yoga Imortalidade e Liberdade. Páginas De 19 – 69. São Paulo Ed. Palas Athena

Mehta, Rohit (1975). Yoga a arte da integração. Brasília Ed. Teosófica

Yadav, S.K. (2019). Human Samskaras and the Psychic Process in Coherence to Ideosphere and impulses for Unethical Actions. International Journal of Indian Psychology, 7(3), 656-666. DIP:18.01.071/20190703, DOI:10.25215/0703.071


 
 
 

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